Em um escritório de Cachoeiro de Itapemirim, uma advogada usuária de cadeira de rodas, reconhecida pelo seu empenho pela causa da inclusão de pessoas com deficiência, se prepara para mais um dia de trabalho. Em outro ponto da cidade, um advogado negro revisa os argumentos para uma audiência importante. Ambos, ao seu modo, são parte de uma revolução cada vez menos silenciosa, mas que, aos poucos, vem transformando a advocacia regional: a luta pela diversidade e a inclusão. Em um país como o Brasil, onde, não raro, são as grandes capitais que frequentemente dominam as manchetes, é em lugares como Cachoeiro, Atílio Vivácqua, Vargem Alta, Muqui e Mimoso do Sul que muitas das batalhas mais significativas pela igualdade e inclusão estão sendo travadas.
Para todos os efeitos, é importante registrar que as experiências locais de advogar para a diversidade e a inclusão, seja de pessoas negras ou pessoas com deficiência, têm sido tema recorrente, tratado com a devida atenção pela 2ª Subseção da OAB/ES. Tanto que, reconhecendo a importância desse movimento, a OAB Cachoeiro de Itapemirim instituiu em novembro de 2020 a Comissão de Igualdade Racial, um marco memorável no compromisso da advocacia local com a representatividade. No entanto, como é possível intuir, a história não se encerra nas ações institucionais. Cada advogado e advogada inscrito, seja negro ou pessoa com deficiência, carrega consigo, por assim dizer, uma narrativa pessoal de desafios e, acima de tudo, de superações.
Tome-se como exemplo a história da advogada Arlete Augusta Thomaz de Oliveira, cuja entrevista se encontra publicada na íntegra no portal OAB Cachoeiro de Itapemirim e pode ser acessada, assim como as dos demais entrevistados da matéria, pelo QR Code compartilhado na página. Casada e matriarca de uma família de advogados, ela se tornou um expoente na luta regional pela inclusão das pessoas com deficiência. Arlete foi representante da Ordem no Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMDEPEDE); contribuiu decisivamente na adoção da arquitetura inclusiva quando da construção do Fórum Desembargador Horta de Araújo, tendo reivindicado pessoalmente a atenção à acessibilidade e design universal do prédio; bem como foi determinante, igualmente, ao pleitear intervenções de inclusão, no aspecto da mobilidade, para as Varas do Trabalho de Cachoeiro.
“A Vara do Trabalho funcionava do edifício Dr. Rage Miguel. Inexplicável! Só quem esteve ali sabe do que estou falando. Posso assegurar que alguns juízes foram indiferentes à minha condição e creio que com outros advogados deficientes também. Um certo dia eu, indignada, fiz um relato e enviei a então presidente do TRT no biênio 2003/2005, desembargadora Maria Francisca dos Santos Lacerda. Ela compreendeu a obrigação e necessidade de adequar. Pessoalmente veio a Cachoeiro algumas vezes à procura de um lugar, se empenhou e, enfim, pude trabalhar por muito mais tempo por ter respeitado o meu direito”, rememora Arlete.
Observada a necessária reflexão sobre os desafios enfrentados, o advogado João Augusto Faria dos Santos, conselheiro da 2ª Subseção da OAB/ES, partilha com a colega advogada uma trajetória de lutas por uma causa igualmente nobre. Membro da Comissão de Igualdade Racial, João Augusto, sempre afável e atencioso, reconhece que, como pessoa negra, sua identidade racial influenciou de muitas formas sua trajetória na advocacia. “Especialmente no aspecto de estar sempre sendo testado em relação à minha capacidade intelectual. Negros, em qualquer profissão que dependa do intelecto, sempre serão vistos com desconfiança até que provem sua capacidade”, comenta.
Perguntado, por exemplo, sobre se já enfrentou algum tipo de discriminação racial durante sua carreira jurídica, o advogado chama a atenção ao fato de que, infelizmente, “todo negro sempre sofre algum tipo de discriminação todos os dias”.
Essa observação, importante anotar, vai de encontro ao posicionamento da coordenadora da Comissão de Igualdade Racial, a advogada Angélica da Silva Paineiras. Ao ser questionada sobre as dificuldades encontradas para promover a inclusão e a diversidade no meio jurídico, Angélica é categórica: “Uma das maiores, ao meu sentir, é combater uma estrutura do sistema que foi construído de forma segregacionista, e que se negligencia, por muitas vezes, a enxergar uma realidade que não atravessa os aplicadores do direito, apesar da realidade social existente”, pondera.
Para ela, o combate ao racismo estrutural pela 2ª subseção da OAB/ES, tem sido realizado com o incentivo ao debate e à informação (letramento racial) que estimulem o estudo, a discussão e a defesa das questões étnico-raciais.
Pode-se dizer, aliás, que o mesmo vale com a luta pela inclusão das pessoas com deficiência. Com duas representantes no COMDEPEDE, por exemplo, a OAB Cachoeiro de Itapemirim tem um histórico de dar visibilidade a causa. Neste sentido, é bom lembrar que como instituição que tem o dever de defender a justiça social, a Ordem empenha-se em estimular a inclusão, o anticapacitismo e não se calar diante das injustiças sofridas pelas pessoas com deficiência. Um compromisso exercido, diga-se, com notável dedicação.
Publicado na revista Advocacia, edição nº 09