Estudar e Aplicar o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ: Um Compromisso de TODA a Advocacia

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representa um avanço essencial na promoção de decisões mais justas e equilibradas no sistema judiciário. Embora tenha como público principal a magistratura, esse documento também é uma ferramenta estratégica para a atuação de todos os advogados e advogadas, independentemente da área do Direito em que atuem.

Por que isso é relevante para toda a advocacia?

Porque a aplicação do direito deve considerar os contextos sociais, históricos e relacionais das partes envolvidas — e esses contextos ainda são marcados por desigualdades que afetam diretamente o acesso à justiça e a forma como as pessoas são tratadas nos processos. 

No direito penal, por exemplo, muitas vítimas de violência ainda enfrentam situações de revitimização — quando, ao buscar proteção e justiça, acabam sendo submetidas a questionamentos invasivos, julgamentos subjetivos ou responsabilizações veladas. Isso pode ocorrer por meio da repetição desnecessária de seus relatos, da falta de escuta qualificada ou da análise baseada em estereótipos, o que amplia o sofrimento e enfraquece a confiança no sistema judicial. 

No direito do trabalho, questões como o assédio moral ou sexual muitas vezes são tratadas com distanciamento técnico, ignorando a complexidade das relações e a dificuldade de prova. No direito empresarial, mulheres podem ter sua autoridade contestada com base em critérios que não seriam aplicados de forma equivalente a colegas do sexo masculino.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o Agravo de Instrumento n.º 2170863-52.2023.8.26.0000, interposto em uma Ação de Reintegração de Posse, deixou claro:

  • Assim, nos termos do Protocolo em menção, para um julgamento comprometido com a perspectiva de gênero, a palavra da mulher há de ser recebida com as marcas da credibilidade e da presunção de veracidade, relativas, certamente, mas, que somente poderão ser afastadas em razão de prova bastante para contrariar a palavra da mulher. Aliás, é necessário que preconceitos de gênero como a ideia de que mulheres são vingativas e, assim, mentem sobre abusos sejam deixados de lado.

Aplicar a perspectiva de gênero é, portanto, um exercício de técnica, sensibilidade e justiça. É compreender que a imparcialidade não se faz pela neutralidade cega, mas pela escuta qualificada e pela análise contextualizada dos fatos. Para a advocacia, isso significa argumentar com mais profundidade, identificar situações de vulnerabilidade e atuar para evitar que o processo judicial se torne, ele próprio, um instrumento de exclusão ou violência institucional. 

Estudar e aplicar o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero é uma responsabilidade que ultrapassa a magistratura. É também uma forma de a advocacia exercer seu papel de agente de transformação social, assegurando que a prática jurídica caminhe lado a lado com a realidade das pessoas que representa. Incorporar essa perspectiva é, acima de tudo, advogar com excelência, compromisso e profundidade. 

Mylla Conterini Buson

Presidente da Comissão da Mulher Advogada da 2ª Subseção da OAB/ES

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