Evento foi realizado durante três dias e debateu a realidade no Rio de Janeiro e no Espírito Santo
O Ministério Público Federal (MPF) participou do seminário “Soluções Fundiárias na Justiça Federal da 2ª Região”, realizado semana passada, durante três dias, no auditório do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), na cidade do Rio de Janeiro. O procurador Regional dos Direitos do Cidadão Adjunto, Julio José Araujo Junior, foi um dos palestrantes do segundo dia de debates (31/07), para falar do papel do MPF na solução dos conflitos fundiários e na Comissão de Soluções Fundiárias (CSF) da Corte.
Em sua fala, o procurador chamou a atenção para mudança de mentalidade. “A comissão humaniza os conflitos, quebra a narrativa que está no papel e nos coloca diante da realidade”. Ele ressaltou, ainda, as semelhanças e diferenças do trabalho do MPF nos inquéritos civis e o trabalho da Comissão.
“A Comissão, ao permitir a discussão sobre uma alternativa à remoção de pessoas, melhora as condições para um diálogo e a construção de soluções consensuais. A implementação de políticas públicas, que tende a ser lenta, pode ser acelerada com essa intervenção. E só colocando todas as instituições à mesa, a gente consegue romper com a amarras burocráticas, o uso de uma legalidade que não leva em consideração princípios como o da dignidade da pessoa humana, programas constitucionais e o direito social à moradia. Por isso, o MPF apoia tanto sua organização”, pontuou.
O objetivo do evento foi debater as soluções fundiárias na Justiça Federal do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, com a participação de magistrados, servidores e instituições envolvidas na atuação da Comissão de Soluções Fundiárias da Corte e seus resultados.
Papel do MPF – Durante sua apresentação, o procurador Julio Araujo destacou o papel do MPF na Comissão de Soluções Fundiárias, trazendo um histórico de atuação desde a pandemia, com a cobrança da suspensão dos despejos e soluções, com base na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828 e na Resolução 510 Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O procurador destacou, ainda, as aproximações e distanciamentos entre o MPF e a CSF. De acordo com ele, a submissão do impasse fundiário ao Judiciário não resolve o problema de fundo e, por isso, o melhor caminho não é “reintegrar” ou “não reintegrar”, mas entender as ocupações à luz da necessidade de resolver o problema relativo à destinação do imóvel, sobretudo o respeito à função social da propriedade. Por isso mesmo, destaca a importância da CSF, ao provocar o diálogo que permita a discussão sobre o cumprimento dessa diretriz constitucional, sendo que, em caso de imóveis públicos, isso é ainda mais necessário.
Casos concretos – Durante o seminário, foram apresentados casos concretos de atuação em soluções fundiárias no âmbito da jurisdição da 2ª região.
Um dos casos apresentados foi o do Horto do Rio de Janeiro, que já dura 40 anos e envolve centenas de famílias moradoras da comunidade localizada na área do parque, na Zona Sul carioca. A história da comunidade remonta ao século 19, quando funcionários do Jardim Botânico tiveram autorização para construir as casas na área do parque que, então, era de difícil acesso. Os atuais moradores são descendentes desses antigos trabalhadores.
O diálogo entre os órgãos públicos envolvidos e os representantes da Associação de Moradores e Amigos do Horto contou com a atuação de um grupo de trabalho técnico, indicado pela Presidência da República. O grupo esteve presente no caso junto à CSF, com atuação multidisciplinar, e foi fundamental para buscar uma solução que equacionasse os interesses comuns do Jardim Botânico e da comunidade do Horto, com o compromisso também de conservar a biodiversidade do local.
Outro caso destacado se refere a processos movidos pela União para reintegração de posse de imóveis construídos na Praia dos Gaegos, no bairro da Ilha do Governador. Os imóveis que se encontram em área administrada pelo Terceiro Comando Aéreo Regional da Aeronáutica teriam sido invadidos pelos réus há décadas. Diante dos múltiplos interesses das partes, o trabalho da CSF consistiu em alcançar um resultado possível, através da iniciativa de colocar os atores principais à mesa, para buscar uma solução que atenda às diferentes necessidades. Além disso, enfatiza-se a importância da visita técnica para conhecer a realidade do local e das pessoas envolvidas.
O caso do Sítio Yaxuri, em Rio das Ostras, também foi citado. O processo foi ajuizado por um agricultor que, em 1997, foi assentado pelo Incra em um lote da fazenda, em procedimento de reforma agrária. Segundo ele, em 2004, suas terras foram ocupadas por diversas famílias, que permanecem no local.
Também foi apresentado o caso de Conceição da Barra, no Espírito Santo. Nesse incidente, a indústria de celulose e papel Suzano S/A ajuizou, em 2020, ação de reintegração de posse de uma área usada para plantio de eucalipto, em município que está localizado na divisa com a Bahia, em que figuram como réus os ocupantes do imóvel e, como seus assistentes, o Incra e a Fundação Palmares, visto que há discussão acerca da existência de um quilombo na área em disputa.
Foi apresentado, ainda, o Caso Novo Horizonte, em Campos dos Goytacazes, no qual o processo judicial teve início em 2021, quando 772 casas do empreendimento foram ocupadas por cerca de duas mil pessoas. A construtora que realizou as obras em parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF) pelo programa “Minha Casa, Minha Vida” é a autora da ação. A reintegração da posse dos imóveis havia sido deferida em liminar, mas a medida foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), até que o Poder Público promovesse a alocação dos ocupantes em abrigos ou lhes assegurasse moradia adequada.
O último incidente apresentado no seminário foi o Caso Quinta Lebrão, sendo considerado o maior conflito fundiário do país já judicializado. A ação encaminhada à Comissão foi proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que pedia a desocupação de uma área de mais de 2 milhões de metros quadrados em Teresópolis (RJ), envolvendo as comunidades Quinta Lebrão, Fonte Santa e Álvaro Paná, consolidadas há mais de 50 anos. Para entender a dimensão dessa questão fundiária, foi realizada uma visita técnica em que se verificou, além da alta densidade populacional, o risco geológico em boa parte da área ocupada.
MPF valoriza papel das comissões de soluções fundiárias em seminário no TRF2 foi postado em Portal TRF2.