OS IMPACTOS NO MEIO AMBIENTE LABORAL: UMA ANÁLISE SOCIAL DA INVISIBILIDADE DOS RISCOS DO SETOR DE ROCHAS
RESUMO
Nesse ensaio pretende-se analisar os impactos ocorridos no meio ambiente de trabalho das empresas de mármore e granito do Espirito Santo, tendo em vista a ocorrência dos altos índices de acidentes de trabalho no setor, sendo analisado o processo de trabalho e a sociedade de classes. A discussão comporta a identificação dos impactos sociais no campo do direito do trabalho, com articulação direta com o neoliberalismo e com o comportamento do Estado frente aos direitos sociais e fundamentais dos trabalhadores do setor, trazendo como tema central deste trabalho o direito fundamental ao equilíbrio do meio ambiente do trabalho e suas consequências sociais frente à implementação da reforma trabalhista.
INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem como tema proposto analisar os impactos decorrentes do meio ambiente laboral dos trabalhadores do setor de mármore e granito do Sul do Espirito Santo, identificando os impactos sociais no campo do direito do trabalho, com articulação direta com o neoliberalismo e com o comportamento do Estado frente aos direitos sociais e fundamentais dos trabalhadores do setor, busca-se investigar a ocorrência do aumento de acidentes do trabalho neste setor, e se houve agravamento da precarização do trabalho no mesmo após a implementação da Reforma Trabalhista e do avanço do neoliberalismo e, consequentemente, da flexibilização dos direitos laborais.
Neste contexto, o ensaio parte da justificativa de que a exclusão dos trabalhadores ao meio ambiente laboral seguro e com saúde impacta diretamente nas questões sociais, sendo, portanto, um problema que demanda uma resposta imediata.
A pesquisa tem como objetivo verificar os impactos e as implicações sociais na saúde e segurança do trabalhador no setor de mármore e granito no sul do Espirito Santo, tendo como foco os altos índices de acidentes do trabalho, associados à alta produção e crescimento ocorrido nas indústrias de mármore e granito após a reforma trabalhista e a implementação da flexibilização das leis trabalhistas.
Desse modo, busca-se discutir no texto elementos que interatuam na precarização do trabalho e afetam as condições laborais, com impactos na saúde dos trabalhadores do setor de mármore e granito do Espirito Santo. A intenção deste estudo é ampliar a discussão sobre o alto índice de acidentes do trabalho e o direito constitucional ao meio ambiente laboral decente, tendo como base as mortes no ambiente de trabalho entre os trabalhadores do segmento de mármore e granito do Sul do ES.
1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
À luz do próprio direito ambiental, a regulação incidente sobre a dimensão ambiental da relação de trabalho, enquadra-se no núcleo do direito fundamental ao equilíbrio do meio ambiente do trabalho. Nessa toada, o arcabouço jurídico-constitucional enfatiza a promoção da dignidade humana e o bem de todos, tendo como foco principal resguardar a vida, a saúde e a segurança, que é necessário para qualquer contexto ambiental salubre. (BRASIL, 1988).
Na atualidade, cresce a degradação irracional ao meio ambiente, especialmente o natural, atingindo negativamente a qualidade de vida das pessoas e causando riscos às futuras gerações. Diante dessa realidade, torna-se curial a análise da questão ambiental sob a ótica do meio ambiente do trabalho, por ser tema de profunda discussão e importância, devido ter-lhe sido concedido tratamento singular, abrangente e ter sido elevado a direito fundamental pela Constituição Federal de 1988.
Enfatize-se que quando a Constituição Federal confere aos trabalhadores o direito fundamental à continua redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio das normas de saúde e segurança, está se assegurando ao trabalhador o direito a garantia de um meio ambiente do trabalho sadio, longe de aumentos de possibilidades de acidentes, tendo como base primordial o princípio jurídico co-protetivo do direito ambiental, na melhoria da condição sócio ambiental da classe trabalhadora. (MARANHÃO, 2020)
É certo, portanto, que o meio ambiente do trabalho faz parte de um mercado econômico que visa a obtenção de altas taxas de produtividade, respaldado pelas inovações tecnológicas, onde precipuamente se busca a obtenção do lucro, não importando, muitas vezes, que a dignidade da pessoa humana do trabalhador seja arbitrariamente sacrificada.
Conforme afirma Celso Fiorillo, o meio ambiente laboral é “o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometem a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores”. (PACHECO, 2003, pág.65.)
Importa consignar a importância de ser-lhe dada tutela jurídica, a fim garantir condições mínimas de dignidade para o bom desempenho do trabalho, devendo ser desenvolvido de forma hígida e salubre, visando à incolumidade física e psíquica dos trabalhadores do setor de mármore e granito.
No meio ambiente no setor de mármore no sul do Estado do Espirito Santo, o processo de mercantilização dos serviços sociais é latente. Educação, saúde, previdência, são, cada dia mais, vistos como mercadorias e subordinados à lógica e dinâmica de expansão do mercado. Conforme Antunes (2020a), ao longo dos anos, com a produção em massa e a aplicação do controle da jornada e a intensificação do trabalho, proprocionados pela expanção do taylorismo e fordismo, os acidentes de trabalho e adoecimentos com nexo passaram a fazer parte do cotidiano laboral.
No setor de mármore e granito, prevalece um ambiente laboral de alto risco para os trabalhadores, com a predominância de riscos na inalação de particulas de silicose; grande contado com rúido; vibrações; desconforto termico; turnos noturnos e/ou rotativos da jornada; derrocada de solos, radiação ultravioleta, desconforto térmico (frio e calor intensos), cronodisrupção, posturas forçadas e/ou mantidas, risco de derrocada, manuseamento de cargas, queda de objetos, uso de máquinas, queda do próprio ao mesmo nível e em altura, bem como entalamento e esmagamento.
Dessa feita, o núcleo do direito fundamental ao equilíbrio de um meio ambiente laboral exprime as condições de trabalho, organizações e relações interpessoais que buscam uma visão protetiva integral do trabalhador, beneficiando não apenas os trabalhadores, mas, igualmente, toda à comunidade local e o próprio meio ambiente.
Portanto, a partir da problemática escolhida e do recorte que compõe o escopo da pesquisa, é pretendido compreender os eventos inerentes a esse contexto, e o porquê destes se revelarem através da acentuação da precarização do trabalho em face ao seu meio ambiente, ocasionando altos índices de acidente de trabalho.
II OS IMPACTOS SOCIAIS CAUSADOS NO SETOR: OS ACIDENTES DE TRABALHO
É preciso fazer uma introdução no sentido de expor que o processo de viver humano é marcado pelo crescimento das incertezas e da sensação de fragilidade diante dos fatores de risco e vulnerabilidade aos quais todas as pessoas, direta ou indiretamente, estão expostas. Essas características repercutem também no cotidiano de trabalho dos indivíduos, pois o trabalho é um dos principais eixos estruturantes da vida humana.
O trabalho humano sempre existiu, desde o início da civilização, e, certamente, vai continuar existindo enquanto houver vida humana. Conforme Leite (2019), é possível compreender a história do trabalho por meio da evolução dos momentos de produção de bens e serviços. Nessa lógica, segundo o autor, podem ser identificados cinco regimes de trabalho: primitivo, escravo, feudal, capitalista e o comunista.
No âmbito das práticas laborais dos profissionais do setor de mármore e granito, as questões referentes a risco e/ou vulnerabilidade estão ainda mais presentes, uma vez que esses profissionais se expõem rotineiramente a múltiplos e variados riscos relacionados a agentes químicos, físicos, biológicos e psicossociais.
Conforme abordado no tópico anterior, a flexibilização vem alterando profundamente as normas protetivas do trabalhador, impactando assim diretamente nos próprios direitos sociais, uma vez que afeta diretamente a saúde e a segurança do trabalhador da indústria de mármore e granito, como informa Moulin (2006) e Baptistini (2009). É preciso um olhar especifico e mais atento aos trabalhadores do setor de rochas com relação aos acidentes de trabalho, visto a frequente ocorrência de vítimas fatais, adoecidas ou mutiladas.
A extração e o beneficiamento de mármore e granito constituem importante atividade econômica do Estado do Espírito Santo, e a principal da Região Sul do estado que, conforme já demonstrado, é o principal polo de beneficiamento de rochas ornamentais e detentor das maiores reservas de mármore e granito do Brasil. (NERY; SILVA. 2001).
Estudos apontam as péssimas condições em que o trabalho no setor de mármore se realiza, acarretando elevado número de acidentes e constantes agravos à saúde dos trabalhadores, e que as mudanças ocorridas no mundo laboral resultaram na constituição de um exército de trabalhadores acidentados, mutilados e incapacitados para o seu labor. (ANTUNES, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até o presente momento é possível perceber que a luta pelos direitos sociais trabalhistas também se insere na perspectiva de assegurar ao trabalhador um meio ambiente do trabalho saudável, equilibrado e seguro. Os levantamentos feitos até aqui mostram que o setor de mármore e granito do sul do ES ainda não observa adequadamente os fatores de riscos associados ao trabalho, e que a ocorrência da flexibilização dos direitos trabalhistas, implementada pela ponte histórica do neoliberalismo e consagrada pela Reforma Trabalhista, impactou diretamente o setor laboral e massificou a luta de classes existente.
Nesse sentido, torna-se ainda mais relevante a luta pelos direitos sociais trabalhistas, com a perspectiva de assegurar ao trabalhador um meio ambiente do trabalho saudável, equilibrado e seguro.
Conclui-se, por meio dos objetivos aqui expostos, que quanto mais frágil a legislação protetora do trabalho e maior a produção industrial, maior será o grau de precarização das condições de trabalho, fomentando o alto índice de acidentes de trabalho. Dessa forma, os acidentes de trabalho são considerados, na conclusão do estudo, como uma ponta do problema da situação dos trabalhadores do setor do mármore e granito do Sul do ES, que são explorados pelo sistema capitalista que se caracteriza historicamente, com início no Brasil na década de 1990, com o desenvolvimento do neoliberalismo.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. O privilegio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020a.
ANTUNES, Ricardo. (org.). Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020b.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 nov. 2021.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012.
FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e acidentes de trabalho na construção civil. In: FILGUEIRAS, Vitor Araújo (org.). Saúde e segurança do trabalho na construção civil brasileira. Aracaju: Ministério Público do Trabalho, 2015. p. 61-86
Luanna Figueira
Advogada, professora Universitária, mestre em políticas sociais pela UENF e doutoranda em Direito e sociologia pela UFF