A advocacia, uma profissão marcada por seu caráter tradicional e, muitas vezes, resistente às mudanças, enfrenta o desafio essencial de se tornar mais inclusiva e acessível. Diante desse panorama, a trajetória da advogada Arlete Augusta Thomaz de Oliveira, inscrita na 2ª Subseção da OAB/ES, emerge como um testemunho vívido dos obstáculos e conquistas que permeiam a jornada de profissionais com deficiência no mundo jurídico.
A conversa não apenas lança luz sobre as barreiras físicas e sociais que Arlete encontrou em sua carreira de mais de três décadas, mas também expõe o reflexo desses desafios no tecido mais amplo da sociedade brasileira. Suas experiências revelam um cenário jurídico que, apesar de sua rigidez, começa a mostrar sinais de mudança, especialmente no que tange a inclusão e acessibilidade.
Como tem sido sua trajetória no mundo jurídico enfrentando as barreiras físicas e sociais?
Não tão profícua como desejaria que fosse. Muitas vezes mentalizava determinado trabalho e me propunha a realizar, e, ultrapassando um empecilho representado em barreira arquitetônica aqui, outro em barreira atitudinal ali, sempre contando com o apoio da família, algumas vezes desistindo de realizar e passando a tarefa para outro não deficiente, me contentava, porque tudo saía melhor do que se fosse feito por mim. E lá se vão mais de 30 anos.
Quais foram os principais desafios e conquistas em sua carreira?
Desafios, são tantos. Logo no início dessa nova forma de viver, nos propusemos a participar de congressos em Olinda (PE), na cidade de São Paulo, e constatamos que não existiam adequações nos espaços, tanto os destinados aos eventos, como a hospedagem. Ficamos pasmados. Mas, em outras viagens a passeio, quantas decepções tivemos. Não encontramos uma cidade que preste atenção a essa população crescente que estuda, trabalha, produz e contribui, mas ainda é tratada como desigual. Conquistas, posso citar algumas: Antes, quando o fórum Horta de Araújo funcionava no prédio onde é a Câmara Municipal, era uma aventura participar de audiências, nem é preciso explicar porque. Pessoalmente reivindiquei e quando da construção do novo prédio onde funciona, no bairro Independência, fui atendida e foi construído de forma inclusiva no aspecto da mobilidade. O mesmo ocorreu com a Vara do Trabalho que funcionava do Edifício Dr. Rage Miguel. Inexplicável, só quem esteve ali sabe do que estou falando. Posso assegurar que alguns juízes foram indiferentes à minha condição e creio que com outros advogados deficientes também (o que não dizer dos demais frequentadores daquele espaço). Um certo dia eu, indignada, fiz um relato e enviei a então presidente do TRT no biênio 2003/2005, desembargadora Maria Francisca dos Santos Lacerda. Ela compreendeu a obrigação e necessidade de adequar. Pessoalmente veio a Cachoeiro algumas vezes à procura de um lugar, se empenhou e, enfim, pude trabalhar por muito mais tempo por ter respeitado o meu direito. Outra dificuldade que tive, foi enquanto conselheira do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMDEPEDE) representando a OAB. Pasmem, a Secretaria onde o Conselho se reunia era inacessível e inadequada.
De que forma o meio jurídico pode se tornar mais inclusivo para pessoas com deficiência (PcD)?
No mínimo, implementar as normas da ABNT, adequar a arquitetura, as calçadas, rampas, corrimões, banheiros, lavabos, bebedouros, equipamentos tecnológicos, sensores, mobiliário, os brinquedos dos parquinhos infantis, e outros. Promover conscientização para derrubar as barreiras atitudinais, da indiferença, do descaso, do desinteresse pelas potencialidades de cada pessoa, com suas deficiências, suas capacidades, seus propósitos e desejos.
Como o design universal pode ser integrado às práticas de advocacia para garantir a acessibilidade?
O conceito de desenho universal é abrangente, ou seja, não tem a pretensão de que se modifique nada em prol das pessoas com deficiência, mas se propõe a adotar medidas, modificações, como as que enumerei antes, de tal forma que as alterações físicas, arquitetônicas, atitudinais que vierem a ser adotadas, não sejam especificamente destinadas aos deficientes, por serem deficiente, mas que sejam em favor de todos, porque todos são iguais e assim devem ser reconhecidos.
Em sua opinião, existe uma compreensão adequada sobre as necessidades dos advogados com deficiência na área jurídica?
Posso garantir que percebo essa compreensão nos advogados com os quais convivo diariamente.
Quais seriam suas recomendações para escritórios de advocacia e tribunais que desejam ser mais acessíveis?
Que procurem se inteirar, conhecer, realizar, modificar, implementar, para o conforto de todos, deficientes ou não.
Há algum caso ou situação que marcou profundamente sua carreira relacionado à inclusão?
Sim, por duas vezes juízes do trabalho me deixaram à espera de terminarem todas as audiências de conciliação do dia para só depois retomarem a minha, uma vez que não houvera conciliação.
Quais as políticas públicas que, na sua visão, poderiam beneficiar a atuação de advogados e advogadas com deficiência?
Exigir que as políticas públicas sejam fieis à Constituição Federal e à legislação específica.
De que maneira a inclusão de pessoas com deficiência pode enriquecer o debate jurídico?
Com empenho de toda a sociedade, dos movimentos sociais no sentido de envolver a todos nas discussões com o objetivo de tornar o mundo mais sensível e amorável, não discriminatório, não tratando uns como normais e outros como desiguais. Penso que o debate jurídico precisa se ater à infância, a qual, na idade adulta, estará convivendo com uma sociedade altamente competitiva, em todos os sentidos, do trabalho, da tecnologia, transportes, estética, educacional. Se a partir dos tempos atuais houver um envolvimento conceitual de todos os entes sociais, com foco a convivência igualitária, nos âmbitos educacional, no lazer, esportes, pode ser possível ser menos dolorosa a inserção desses futuros adultos na vida produtiva e social.