13 de Maio: Da Abolição Incompleta à Luta por Representatividade Negra na Advocacia e no Sistema de Justiça

O 13 de maio marca a promulgação da Lei Áurea, símbolo oficial da abolição do sistema de escravidão no Brasil. No entanto, ao contrário da narrativa historicamente difundida, essa data não representa o fim da opressão da população negra. A ausência de políticas de reparação e inclusão consolidou um modelo de exclusão que permanece presente em múltiplas esferas da sociedade, sobretudo nos espaços de poder, entre eles, o próprio Poder Judiciário. 

Mais de 130 anos após a abolição formal da escravidão, ainda são nítidos os efeitos do racismo estrutural. A baixa representação de pessoas negras na magistratura, nos quadros do Ministério Público, Tribunais e na advocacia não é mero acaso, mas reflexo de um sistema historicamente excludente. 

Desigualdade Estrutural e o Acesso à Formação Jurídica

Apesar das políticas afirmativas, como as cotas raciais no ensino superior e em concursos públicos, o número de pessoas negras com diploma universitário ainda é proporcionalmente baixo em relação à sua presença na população, já que pessoas negras correspondem a 55,5% dos brasileiros. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apenas 23% das pessoas negras entre 18 e 24 anos estavam matriculadas no ensino superior em 2019, enquanto a média entre os brancos ultrapassava os 36%. 

Esse cenário é agravado pela persistência de barreiras econômicas, sociais e simbólicas que dificultam o acesso, a permanência e a ascensão de estudantes negros no meio acadêmico e profissional. 

Além disso, a desigualdade racial se manifesta de forma alarmante no sistema de justiça criminal. Segundo levantamento do Observatório Nacional de Direitos Humanos, divulgado em maio de 2025, 75% das pessoas presas sem julgamento no Brasil são negras. Mais de 40% dos presos no país estão em regime de prisão provisória e, entre eles, três em cada quatro são negros, o que evidencia a seletividade racial do sistema penal brasileiro, onde jovens negros são presos com mais frequência, permanecem mais tempo detidos antes do julgamento e têm menor acesso à defesa de qualidade. 

Esse panorama reforça a necessidade urgente de políticas públicas que promovam a equidade racial no acesso à educação superior e no sistema de justiça, visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 

O Racismo Estrutural nas Instituições da Justiça

A justiça brasileira continua a reproduzir desigualdades. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 1,7% dos magistrados brasileiros se autodeclaram pretos e 12,8% se identificam como pardos, revelando uma discrepância significativa em comparação com a composição racial da população brasileira. 

Além disso, um estudo realizado pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que a falta de dados consistentes sobre a presença de pessoas negras nas carreiras jurídicas impede a formulação de políticas públicas eficazes para inclusão e diversidade institucional. 

A realidade é que o racismo não foi abolido junto com a escravidão. Ele segue presente, disfarçado em práticas, discursos e decisões cotidianas. Em pleno século XXI, profissionais negros do Direito continuam sendo vítimas de episódios explícitos de discriminação, inclusive dentro de fóruns e tribunais, espaços que deveriam garantir equidade, proteção e respeito. 

Um exemplo emblemático ocorreu no último dia 6 de maio de 2025, quando uma advogada foi impedida de entrar no Tribunal de Justiça de Minas Gerais por estar usando um turbante, símbolo de sua identidade e cultura. O ato discriminatório não apenas viola prerrogativas profissionais, mas escancara o quanto o racismo institucional ainda se impõe sobre os corpos negros, mesmo quando legitimados pela lei e pela toga.

O Papel da OAB e das Comissões de Igualdade Racial

A Ordem dos Advogados do Brasil tem papel central na promoção da equidade racial no sistema de justiça. As Comissões de Igualdade Racial nas seccionais e subseções não apenas denunciam casos de racismo institucional, mas também fomentam ações de formação, estudos técnicos, políticas de visibilidade e fortalecimento da advocacia negra. 

A atuação dessas comissões é indispensável para a construção de um ambiente jurídico mais diverso, crítico e democrático. Além de promover eventos, campanhas e articulações interinstitucionais, elas funcionam como espaços de escuta, acolhimento e mobilização. 

Abolição Formal Não é Igualdade Real

Mais do que um marco histórico, o 13 de maio deve ser lembrado como um chamado à ação. A abolição incompleta do regime escravocrata nos obriga a reconhecer que o racismo permanece como uma estrutura ativa, pronta para operar, seja nos bancos escolares, nos espaços de decisão, nos escritórios, nos tribunais ou nas ruas. Se não enfrentado com firmeza, união e compromisso institucional, ele seguirá fazendo vítimas por mais 137 anos. 

A OAB, por meio de suas comissões e iniciativas, reafirma, cada vez mais, o seu compromisso com uma advocacia plural, antirracista e comprometida com os direitos humanos. O sistema de justiça brasileiro precisa refletir a diversidade do povo que serve. Representatividade importa, não apenas como símbolo, mas como caminho para a efetiva democratização da justiça.

Maria Vitória Souza Silva

Advogada – OAB/ES nº 42.152

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