Entrave tributário à recuperação judicial das empresas

A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica importantíssima no Brasil para auxiliar empresas em crise financeira a superarem suas dificuldades e voltarem a operar de forma rentável. Ela permite a renegociação das dívidas junto aos credores, sem sofrer com ações judiciais de cobrança e com a possibilidade de reorganizar suas finanças, tendo como endereçamento final a manutenção da atividade econômica e proteção dos empregos.

Além disso, a recuperação judicial pode ajudar a evitar a falência que, quando ocorre, leva a perda de investimentos, empregos e impacta a economia local e nacional. Revela-se, assim, uma alternativa importante para empresas que enfrentam dificuldades financeiras, permitindo que elas reestruturem suas dívidas, reorganizem suas finanças e retomem suas atividades de forma sustentável.

Porém, nem tudo são flores, e um grande entrave à efetiva recuperação econômica das empresas é de ordem tributária. No processo de recuperação judicial as empresas geralmente obtêm importantes deságios no valor de seus débitos para com os credores – estes descontos das dívidas são chamados de “haircut” -, cujo percentual é definido no plano de recuperação judicial a ser aprovado pela Assembleia Geral de Credores e, posteriormente, homologado pelo juiz responsável pela causa.

Como do ponto de vista contábil estes descontos (“haircut”) concedidos pelos credores geram uma diminuição de passivo sem qualquer contrapartida no ativo da empresa recuperanda, são considerados, por conseguinte, como “receitas”. E a partir daí, a Receita Federal entende que tais descontos da dívida devem sofrer a incidência do IRPJ, da CSLL, do PIS e Cofins, mesmo que tais deságios tenham sido concedidos no âmbito da recuperação judicial.

Imagine que determinada empresa conseguiu obter um desconto de 65% de suas dívidas, ela será obrigada a reconhecer como “receita” o percentual de 35% de todos os débitos reestruturados, sendo este montante a base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e Cofins.

Conforme caso a caso, a carga tributária efetiva pode chegar à 43,25%, o que na prática diminui quase pela metade os efeitos financeiros e econômicos dos descontos obtidos, dificultando sobremaneira a efetividade do princípio da preservação da atividade empresarial, norteado pela lei de Recuperação Judicial.

A preocupação em preservar e fomentar a atividade empresarial não está restrita ao âmbito da recuperação judicial e, com maior razão, incide nessa seara para alcançar determinados objetivos como o incentivo à adesão a esse instituto, fortalecer a possibilidade de renegociação das dívidas, manter as expectativas positivas do mercado e de investidores e, sobretudo, evitar a frustração da recuperação do devedor.

Na prática, é inegável que o deságio obtido no plano de recuperação não pode  ser considerado receita tributável, afinal, será utilizado na manutenção da atividade empresarial e, tributando pesadamente o “haircut”, credor e empresa recuperanda não só saem perdendo – tendo em vista que o valor reduzido será tributado -, como há claro desestímulo à efetividade da recuperação de empresas em crise, indo de encontro ao próprio espírito da legislação.

Para além dos tributos correntes que todas as empresas devem pagar, inclusive aquelas em Recuperação Judicial, impor tributação sobre os descontos obtidos no contexto da recuperação judicial, é contribuir com a falência das empresas no país. 

Samir Nemer

Advogado tributarista e empresarial

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