O advogado capixaba Sergio Bermudes, um dos mais destacados juristas brasileiros, morreu nesta segunda-feira (27) no Rio de Janeiro, aos 79 anos. Nascido em Cachoeiro de Itapemirim em 2 de outubro de 1946, Bermudes enfrentava complicações respiratórias desde abril de 2020, quando contraiu Covid-19, e não resistiu a uma sepse respiratória após longa internação. A 2ª Subseção da OAB-ES manifestou, no início da tarde, pesar pela perda de um dos maiores nomes da advocacia que o estado já produziu.
Sergio Bermudes construiu uma trajetória singular ao longo de quase meio século de carreira, marcada pela atuação em causas que definiram a história do direito no país. Fundador do escritório que leva seu nome em 1969, o jurista conquistou reconhecimento nacional pela coragem demonstrada em momentos importantes da história brasileira, especialmente durante o período ditatorial. Seu legado transcende os tribunais e alcança a formação de gerações de advogados que passaram por suas salas de aula em instituições como PUC-Rio e UERJ.
Um dos casos que projetou o advogado cachoeirense nacionalmente ocorreu ainda no início de sua carreira, quando aceitou defender Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 1975 nas dependências do DOI-CODI. Em 1978, o juiz federal acolheu os argumentos da defesa e reconheceu que o jornalista havia sido morto sob custódia do Estado, representando a primeira derrota judicial da ditadura militar. Em entrevista posterior, Sergio Bermudes atribuiu o feito ao Judiciário. “Eu formulei a petição inicial e, muitas vezes, sou aplaudido por isso, mas quem tem que ser aplaudido é o Judiciário”.[5][6]
A partir dos anos 1980, o advogado consolidou sua posição de liderança no contencioso cível e na área de reestruturação empresarial, atuando em litígios que envolveram grandes companhias em todo o território nacional. Uma das disputas mais complexas de sua carreira foi a ação coletiva dos poupadores contra instituições financeiras sobre a remuneração das cadernetas de poupança durante os planos econômicos das décadas de 1980 e 1990, litígio bilionário que teve acordo finalizado em 2017. Sua expertise em casos de alta complexidade transformou o escritório Sergio Bermudes Advogados em uma das maiores bancas do país.
A carreira acadêmica foi outro pilar fundamental na trajetória de Bermudes. Iniciou a docência em 1970 como professor assistente de Teoria Geral do Estado na então Universidade do Estado da Guanabara, atual UERJ, e tornou-se professor titular de Direito Processual Civil da Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas em 1971. Em 1978, assumiu a cadeira de Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Sua dedicação ao ensino formou inúmeros profissionais que hoje atuam nos principais escritórios e tribunais do país.
Em 1985, nomeado pelo Governo da República, Sergio Bermudes integrou a comissão de cinco processualistas designada para proceder à revisão do Código de Processo Civil, contribuindo diretamente para a modernização da legislação processual brasileira. Exerceu ainda a função de juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro por dois anos, demonstrando sua versatilidade e compromisso com as instituições jurídicas.
O escritório fundado por Bermudes expandiu-se significativamente ao longo das décadas, estabelecendo-se nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Atualmente, a estrutura conta com mais de 130 advogados e consultores, à frente de uma equipe de apoio formada por mais de 250 funcionários e 120 estagiários. A banca consolidou-se em áreas como contencioso cível, reestruturação empresarial e mercado de capitais, sempre sob a liderança e visão estratégica de seu fundador.
A ligação de Sérgio Bermudes com sua terra natal manteve-se forte ao longo de toda a vida. Em janeiro de 2020, sensibilizado pelas enchentes que devastaram Cachoeiro de Itapemirim, o advogado doou R$ 1 milhão para auxiliar na reconstrução da cidade. “Recebi vídeos e fotos e fiquei muito triste, muito chocado. Vi um pedaço da minha história ser atingida. A Praça Jerônimo Monteiro, as pontes onde passei, a escola onde estudei, tudo alagado”, declarou à época. O gesto humanitário demonstrou o profundo vínculo afetivo que mantinha com o município onde passou a infância e concluiu o ensino fundamental.
No último mês de março, poucos meses antes de falecer, Sergio Bermudes foi homenageado pela publicação britânica Chambers and Partners, que destacou sua contribuição à advocacia e à formação de novas gerações de profissionais, reconhecimento internacional que coroou uma carreira dedicada à excelência jurídica. A presidente da OAB-ES, Erica Neves, destacou em nota oficial que Sergio Bermudes “levou o talento da nossa advocacia para fora das nossas divisas e alcançou sucesso nacional com técnica e vanguarda”, ressaltando sua coragem ao atuar em casos emblemáticos.
Foto: divulgação















