Pouco vista nos holofotes, mas essencial para o funcionamento da Justiça, a advocacia dativa cumpre um papel silencioso e imprescindível em regiões onde a presença da Defensoria Pública ainda é limitada. No sul do Espírito Santo, por exemplo, essa realidade não é diferente. Tanto que, a partir desse cenário, a atual gestão da 2ª Subseção da OAB-ES instituiu, de forma inédita, no início deste ano, uma Comissão Especial voltada exclusivamente aos dativos. À frente da estrutura encontra-se a advogada Elcinéia Roza Macedo, que defende com veemência a valorização de uma atuação que, segundo ela, ainda sofre com baixa remuneração, ausência de critérios uniformes e um grave déficit de reconhecimento institucional. “A advocacia dativa é uma expressão concreta do nosso compromisso com a Justiça e com os que mais precisam”, afirmou. Em entrevista ao advogado e jornalista Wellington Cacemiro, vice-presidente da Comissão de Comunicação da 2ª Subseção, Elcinéia Macedo detalhou os desafios, metas e perspectivas do grupo que assumiu a missão de representar e dar visibilidade ao inestimável trabalho de centenas de advogados e advogadas da região.
Qual foi a principal motivação para a criação da Comissão?
A principal motivação para a criação da Comissão Especial de Advogados Dativos foi a necessidade de valorização, organização e fortalecimento da atuação dos dativos no âmbito da 2ª Subseção de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Os advogados dativos exercem um papel fundamental na efetivação do acesso à justiça, sobretudo em localidades onde a Defensoria Pública não possui atuação plena. Assim, a comissão surge como um espaço de acolhimento, escuta, articulação, transparência nos critérios de nomeação, o reconhecimento da importância dessa função para o sistema de Justiça e para a sociedade.
Quais são os maiores desafios enfrentados pelos advogados dativos na região e como a Comissão tem atuado para enfrentá-los?
Um dos maiores desafios enfrentados pelos advogados dativos na região, e que já vem sendo amplamente apontado pela classe, é a demora do recebimento e a questão dos honorários arbitrados por alguns magistrados. Muitos profissionais relatam que, mesmo atuando de forma integral e técnica em processos complexos, com audiências, diligências e responsabilidade plena pela defesa, os honorários são fixados aquém do teto previsto. Essa realidade gera desmotivação e compromete a dignidade do exercício da advocacia dativa. Como a Comissão Especial de Advogados Dativos foi recentemente instituída, o objetivo é justamente enfrentar esse tipo de problema por meio de um trabalho articulado, técnico e representativo. A proposta é ouvir os colegas da região, mapear as principais dificuldades enfrentadas e estabelecer canais de diálogo com o Judiciário. Nosso foco será lutar por maior valorização da atuação dativa, tanto no que se refere à fixação justa dos honorários quanto à visibilidade e respeito institucional ao trabalho desempenhado por esses profissionais.
Como a Comissão trabalha para garantir remuneração justa e condições dignas de trabalho para a advocacia dativa?
A Comissão Especial de Advogados Dativos foi criada com o compromisso de promover a valorização da advocacia dativa e garantir condições mais justas de trabalho. Embora estejamos ainda nos primeiros passos, nosso foco já está direcionado em três eixos principais: escuta ativa dos profissionais que atuam como dativos, levantamento de dados e casos concretos que evidenciem a defasagem dos valores fixados, e o diálogo institucional com o Poder Judiciário para buscar uma maior uniformização na fixação dos honorários. Considerando o Decreto Estadual nº 4.987-R/2021, que regulamenta os valores máximos de honorários no Estado, é evidente a defasagem em relação à tabela da OAB, especialmente porque esses valores não sofrem qualquer reajuste anual, ao contrário de outras categorias. Por isso, uma das metas futuras da comissão será justamente trabalhar para a revisão desses valores e para a conquista de uma remuneração mais digna aos advogados que exercem essa função essencial à justiça.
Pode compartilhar algum caso em que a atuação da Comissão foi fundamental para a defesa dos interesses dos advogados dativos?
Como a comissão está em fase inicial, ainda não houve casos concretos de atuação, mas já estamos estruturando canais de escuta com a advocacia dativa e mapeando situações que exigem intervenção. O compromisso é agir com firmeza e representatividade sempre que os interesses da classe forem desrespeitados.
Como a Comissão dialoga com o Judiciário e órgãos públicos para aprimorar a atuação dos advogados dativos?
A comissão busca estabelecer um diálogo institucional respeitoso e propositivo com o Judiciário e Órgãos Públicos, por meio de ofícios, reuniões e articulações junto à Seccional, visando garantir a valorização da advocacia dativa e o cumprimento dos parâmetros mínimos de remuneração e respeito profissional.
Quais são as principais demandas recebidas atualmente pela Comissão e como elas refletem a realidade da advocacia dativa regional?
As principais demandas recebidas atualmente pela Comissão dizem respeito à baixa remuneração fixada nos honorários dativos, regulamentados pelo Decreto Estadual nº 4.987-R/2021, que prevê tetos de R$ 1.320,00 (mil e trezentos e vinte reais) para o Tribunal do Júri, R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais) para procedimentos cíveis ou criminais, e R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais) para os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Ocorre que, além desses valores já serem inferiores à tabela da OAB, não há previsão de piso mínimo, e muitos magistrados arbitram valores ainda mais reduzidos, desconsiderando a complexidade e o tempo de dedicação exigidos em cada caso. Soma-se a isso a morosidade no pagamento da SEFAZ que pode levar até uns 90 dias. De outro lado, magistrados também têm relatado à Comissão dificuldades com advogados inscritos como dativos que, ao serem nomeados, não se manifestam no prazo legal, recusam ou renunciam no curso do processo, o que acaba atrasando o andamento das ações e prejudicando diretamente os assistidos. Essa realidade demonstra a necessidade urgente de um equilíbrio entre valorização profissional e comprometimento com a função pública que a advocacia dativa representa, para que o sistema funcione com responsabilidade, respeito e eficiência para todos os envolvidos.
Existem iniciativas de capacitação ou orientação específicas para advogados dativos? Caso existam, quais são os resultados dessas ações?
Sim, a 2ª Subseção de Cachoeiro de Itapemirim/ES já promove cursos e capacitações voltados à advocacia em geral, muitos dos quais também atendem às demandas dos advogados dativos. Eu mesma já participei de diversas formações promovidas pela subseção, todas com excelente qualidade técnica.
Como a Comissão tem atuado para ampliar o reconhecimento e a valorização da advocacia dativa na sociedade e na própria OAB?
A comissão tem atuado para ampliar o reconhecimento da advocacia dativa, destacando seu papel essencial na promoção do acesso à justiça para pessoas em situação de vulnerabilidade. Nosso foco é conscientizar a sociedade e os Órgãos Públicos sobre a importância da atuação dativa, que muitas vezes é o único meio de garantir defesa técnica às partes que não têm condições de constituir advogado particular.
De que forma a Comissão monitora e busca solucionar eventuais violações de prerrogativas envolvendo advogados dativos?
A Comissão atua como um canal direto para receber relatos de eventuais violações de prerrogativas envolvendo advogados dativos. A partir dessas informações, encaminhar os casos à Comissão de Prerrogativas da OAB/ES para as providências cabíveis, garantindo que os direitos dos colegas sejam plenamente respeitados.
Caso seja possível especificar, quais são as principais conquistas da Comissão desde sua criação?
Como a comissão foi recentemente criada, ainda estamos nos primeiros passos de estruturação. No entanto, já estamos trabalhando em projetos importantes, como a criação de uma lista específica de advogados dativos para atuar no Centro Margaridas, com foco na assistência jurídica para mulheres em situação de violência doméstica. Esse é um dos nossos principais objetivos no momento, e seguimos empenhados em consolidar avanços concretos para a advocacia dativa da nossa região.
Como a Comissão articula parcerias com outras comissões e entidades para fortalecer a atuação dos advogados dativos?
A comissão tem buscado articular parcerias com outras comissões e entidades justamente para fortalecer a atuação da advocacia dativa e ampliar sua inserção em pautas sociais relevantes. Tenho observado, com muito respeito e admiração, o trabalho da Comissão da Mulher, que tem desempenhado um papel essencial na 2ª Subseção de Cachoeiro de Itapemirim/ES, e já tenho recebido convites para colaborar em ações conjuntas. Essas parcerias são fundamentais para fortalecer nossa rede de apoio e dar maior efetividade ao trabalho do advogado dativo.
Existem dados sobre o volume de processos atendidos por advogados dativos na região?
Atualmente, não dispomos de dados consolidados sobre o volume de processos atendidos por advogados dativos na região. No entanto, reconhecemos a importância dessas informações para planejar ações mais eficazes e estamos trabalhando para estabelecer mecanismos de levantamento e monitoramento que possam subsidiar nossas atividades futuras.
Quais são as metas prioritárias da Comissão para o segundo semestre deste ano e como pretende mensurar os resultados alcançados?
A principal meta da comissão para o segundo semestre é implementar a lista própria de advogados dativos capacitados para atuar no atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica no Centro Margaridas. Para isso, estamos buscando uma parceria com a Defensoria Pública de Cachoeiro de Itapemirim/ES, cuja anuência é fundamental para viabilizar essa atuação conjunta. Além disso, os profissionais que integrarem essa lista deverão passar por um curso de aperfeiçoamento específico, garantindo um atendimento qualificado e sensível às necessidades dessas mulheres.
Como a Comissão pretende incentivar a participação de novos advogados no sistema dativo?
A comissão pretende incentivar a participação de novos advogados no sistema da advocacia dativa por meio da oferta de capacitações específicas, divulgação dos benefícios e responsabilidades da atuação dativa, e criação de um ambiente colaborativo que valorize o comprometimento e a ética profissional. Também buscamos sensibilizar advogados que, apesar de inscritos, ainda não atuam, mostrando a importância social e profissional dessa atividade.
Que mensagem gostaria de deixar para os advogados dativos sobre o papel e a importância dessa atuação para a garantia do acesso à justiça?
A advocacia dativa é uma expressão concreta do nosso compromisso com a justiça e com os que mais precisam. Mesmo diante de tantos desafios, somos nós que garantimos que nenhuma voz fique silenciada por falta de defesa. Que cada colega se orgulhe desse papel essencial e siga firme, com ética, responsabilidade e consciência da grandeza dessa missão.