Depois de dois dias de intensos debates a respeito da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à violência contra as mulheres, os participantes da XVIII Jornada Lei Maria da Penha aprovaram 21 recomendações para a melhoria da aplicação da legislação. As orientações para o aprimoramento da integração operacional entre o Poder Judiciário e a segurança pública, a assistência social, a saúde, educação, trabalho e habitação vão constar da carta de intenções do evento.
As propostas também reforçam a finalidade das medidas protetivas de urgência para garantia de acesso à justiça e proteção integral; das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Promovida pela Conselho nacional de Justiça (CNJ) entre os dias 7 e 8 de agosto, a Jornada promoveu o diálogo para o fortalecimento das ações voltadas à garantia da efetividade da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
Entre as recomendações aprovadas, estão a estruturação inteligente e interoperabilidade entre os sistemas informatizados de justiça e segurança pública, baseadas em evidências, mais eficientes para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres; e os parâmetros para análise judicial da medida protetiva de urgência de auxílio-aluguel.
De acordo com a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Luciana Rocha, que coordenou as discussões, a Carta da Jornada trará as diretrizes para que os agentes do Sistema de Justiça possam otimizar a aplicação da legislação. “A definição da natureza híbrida das medidas protetivas de urgência, com reflexo multidimensional nos diversos ramos do direito, dá o tom dos avanços desta paradigmática jornada”, afirmou.
Os participantes também sugeriram a criação de um grupo de trabalho interdisciplinar e interinstitucional para definição das diretrizes de compartilhamento de dados de atendimento em saúde nos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Também há a proposta de formação em perspectiva de gênero e interseccional para as equipes pedagógicas das redes de ensino público e privado, com o objetivo de elaborar fluxo de acolhimento de crianças que vivenciam situações de violência doméstica e familiar.
Além disso, foi aprovada uma recomendação de mapeamento e cadastramento de projetos da sociedade civil organizada e entidade públicas que tratem da empregabilidade e/ou qualificação profissional das vítimas. Participaram dos debates e votação das propostas representantes da magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da advocacia e da segurança pública.
Debates
A integração dos órgãos públicos foi destacada como questão primordial para a efetividade da Lei. Segundo o coordenador da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios do DF – órgão ligado ao Executivo distrital, Marcelo Zago Gomes Ferreira, essa integração permitiu a realização de uma série de estudos, cruzamento de dados, análises e produção de relatórios. Os dados, agora, servem de base para a criação de novas políticas públicas relacionadas à violência contra a mulher, para o fomento de políticas já existentes ou mesmo para a descontinuidade de ações que se mostraram ineficazes. “As medidas dos últimos anos conseguiram fazer uma radiografia da violência doméstica”, disse.
Entre as medidas consideradas relevantes para a prevenção das mortes de mulheres está a aplicação do Formulário de Avaliação de Risco e das Medidas Protetivas de Urgência. O questionário foi idealizado pelo CNJ em parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Medidas protetivas
Já a integrante do Consórcio Lei Maria da Penha e Coordenadora do CLADEN-Brasil, a advogada Myllenna Calazans, afirmou que os desafios para a implantação das medidas protetivas de urgência (MPUs) foram superados. De acordo com ela, o objetivo, no início das discussões sobre a lei, era oferecer respostas no campo civil, trabalhista, penal e administrativo que “abarcassem a complexidade e as múltiplas demandas necessárias para colocar fim à violência doméstica contra a mulher e seus familiares”. Nesse contexto, a licença no trabalho, questões relativas à separação, como guarda de filhos e pensão alimentícia, surgiram como resultado deste trabalho.
Transversalidade
Os participantes da Jornada destacaram ainda a importância da perspectiva de gênero e suas interseccionalidades. O debate incluiu a abordagem de raça, etnia e até mesmo de classe social. Essa transversalidade, conforme os especialistas, deve estar na base de toda política de Estado, em todas as esferas. “Isso não decorre em liberalidade ou discricionariedade de governo algum, mas de um contexto histórico que atrasa o reconhecimento da mulher como sujeito de direito”, afirmou a promotora de justiça de São Paulo Silvia Chakian.
Para o desembargador Eduardo Cambi, o Protocolo de Julgamento de Perspectiva de Gênero tem ressignificado a atuação do Sistema de Justiça como um todo. O magistrado destacou que aplicar esse protocolo é um “dever ético-jurídico do Poder Judiciário brasileiro” no combate às discriminações estruturais e na efetivação da justiça social. “A luta contra a discriminação não fere a imparcialidade do juiz. O que a fere é desconsiderar a realidade social”, disse.
Os palestrantes lembraram a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação ao princípio da reparação integral. Nesse âmbito, o Estado deve fazer o pagamento de indenização pelos danos, estabelecer medidas de restituição, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição desses danos. Foi o que ocorreu no Caso Márcia Barbosa (2021), estudante negra assassinada em 1998 por um deputado, no Brasil; e no México, com o Caso Rosendo Cantú, sobre o estupro de uma menina indígena de 17 anos, o que representou uma tripla interseccionalidade.
Ao falar sobre a “Perspectiva da Transversalidade de Gênero e Interseccional e a Reparação Integral pelo Sistema de Justiça para garantia de Acesso à Justiça”, a secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, ressaltou que os números da violência contra mulheres ainda são assustadores. “Temos o desafio de fazer com que essa lei também seja efetiva para mulheres negras, porque sabemos que isso ainda não é uma realidade”, afirmou. Ela defendeu que, os grupos politicamente minoritários – como mulheres, negras e indígenas, por exemplo – caminhem de mãos dadas com pessoas comprometidas. “Isoladas, somos alvo; unidas, temos força”.
Fonte: Agência CNJ de Notícias
Integração dos fluxos de proteção orientam enunciados aprovados na XVIII Jornada Maria da Penha foi postado em Portal TRF2.