Curso do TST promove reflexões sobre Direito do Trabalho e pessoas trans

“Estamos aqui a protagonizar um dia diferente na história da Justiça do Trabalho!”. A declaração é do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Cláudio Brandão, ao discursar na abertura do quarto encontro do curso Letramento em diversidade, idealizado pelo TST e realizado no Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), em Goiânia, nos dias 24 e 25/6. Desta vez, o tema do curso foi “O que o direito do trabalho tem a aprender com as pessoas travestis e transexuais?”.   O assunto foi abordado em uma roda de conversa com as presenças de quatro mulheres trans, que compartilharam os desafios que já enfrentaram e suas experiências de vida. No auditório Vila Boa do TRT-GO, estavam ministros, desembargadores, juízes e servidores dos 24 TRTs, pessoas da comunidade em geral, além de outras autoridades que se inscreveram para participar do curso.   Pelo Regional capixaba participou da formação a juíza Rosaly Stange Azevedo, membro do Subcomitê Gestor Regional do Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade. A juíza Rosaly Stange com participantes do evento…… e com o ministro do TST Cláudio Brandão e
a magistrada do TRT-22 Regina Coeli CarvalhoAs atividades foram realizadas no Regional goiano e no Senai da Vila Canaã, bairro de Goiânia, onde os participantes tiveram a oportunidade de fazer uma imersão no projeto “Mais um Sem Dor”. A iniciativa, coordenada pelo Ministério Público do Trabalho, em parceria com a Justiça do Trabalho em Goiás, busca qualificar profissionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade social para o mercado de trabalho.  Aceitar e respeitar Ao abrir o evento, o presidente do TRT-GO, desembargador Geraldo Nascimento, afirmou ter convicção de que o curso foi marcado por profundas reflexões a respeito do real sentido das palavras “aceitar” e “respeitar”. “Conviver com as diferenças é atitude que envolve três dimensões: lidar com as diferenças do outro, lidar com as nossas próprias diferenças e assumir uma postura clara diante das diferenças produzidas historicamente”, declarou.  Geraldo Nascimento disse que a aceitação e o respeito pelo outro envolvem a contemplação desse outro, que, por sua vez, só é possível a partir de um olhar que busque explorá-lo e entendê-lo. “Tal olhar caracteriza-se por ver o que ali está, sem acréscimos ou inferências. Ao olhar alguém com cabelo tricolor, por exemplo, enxergar o colorido e, no máximo, a ousadia do fato, mas não concluir e projetar imediatamente no outro a insanidade. Ao contemplar, eu descubro, entendo e aprendo com o outro. Eu acrescento o outro em mim e amplio minhas concepções e percepções”, destacou.  Para o presidente do Regional goiano, ao abordar as diferenças, é preciso perguntar a si mesmo: “Diferente de quê?”. Para ele, se há diferenças é porque há um padrão de igualdade previamente estabelecido, cuja análise lógica não pode deixar de ser feita. Por fim, Nascimento parafraseou o cantor e compositor Beto Guedes, dizendo que o discurso da prática já sabemos de cor, mas a prática do discurso ainda nos resta aprender.  Reflexão crítica Na sequência, a ministra do TST Delaíde Arantes ressaltou que a pauta da diversidade representa uma dimensão formativa prioritária não apenas no âmbito do Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos Assessores e Servidores do TST (Cefast), mas também da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho (Enamat).   Delaíde explicou que o objetivo da capacitação é promover a reflexão crítica sobre o Direito do Trabalho a partir da diversidade, buscando ampliar a visão de mundo dos participantes com base em experiências e diálogos intelectuais com diversos atores sociais e em diferentes territórios políticos. Idealizado pelo ministro Cláudio Brandão junto à equipe do Cefast, o curso tem o compromisso com a agenda da diversidade em suas diversas manifestações. “O curso reafirma a missão institucional da Enamat de promoção de uma formação humanista, voltada à construção de uma sociedade justa e fraterna”, destacou a ministra.  Inclusão Fábio Cardoso, secretário do Conselho do Ministério Público do Trabalho e sub-procurador do Trabalho, representou o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Pereira. Em seu discurso, elogiou a iniciativa e destacou a importância de eventos com temas como este para levar a proteção do Direito do Trabalho a pessoas que são naturalmente excluídas da proteção do Estado.   Ele disse que um dos pontos culminantes do evento será a participação dos servidores e magistrados da Justiça do Trabalho no Mais Um Sem Dor. “Esse projeto vem promovendo a formação profissional através de qualificação técnica com o objetivo de levar ao mercado formal de trabalho pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, como moradores de rua, transexuais, travestis, imigrantes, ex-presidiários e outros”, explicou Cardoso.  O procurador ressaltou que o cidadão é inserido na sociedade a partir do momento em que ele se insere no mercado consumidor e defendeu que a capacitação é a chave para a motivação dessas populações. “Mais trabalhadores, melhor qualificados, significam o aumento da produtividade. Isso aumenta as vendas do comércio, da indústria e beneficia inclusive a economia estatal que acaba por arrecadar mais impostos”, destacou ele.  Construindo a história  O ministro do TST Cláudio Brandão disse que o curso fez e está, de alguma forma, fazendo história e que mais uma pedra no alicerce da diversidade foi colocada por meio do evento. Ele falou sobre o ineditismo de ser este o primeiro curso de formação de servidores do TST realizado para além de suas dependências, sobre a parceria com a Enamat para proporcionar essa capacitação para servidores e magistrados de outros Estados e disse ter sido acertada a decisão de realizar o evento em Goiás, que conta com a iniciativa do projeto Mais um Sem Dor. “Quando levantamos as nossas amarras e partimos para enfrentar a temática difícil da diversidade, é por compreendermos que ela é essencial para a formação de todas as pessoas que lidam no sistema de Justiça”, declarou.  Cláudio Brandão destacou que os conhecimentos obtidos pelos alunos no curso serão capazes de formar o pensamento deles para ver o Direito de uma outra maneira. “Esse é o nosso objetivo: fazer com que cada um de nós seja tocado por uma emoção e que possamos, com esse leve toque da emoção, seguir adiante e combater todas as formas de preconceito. Ninguém, nesta caminhada de busca incessante de combate ao preconceito, pode e deve ficar de fora”, salientou.   O ministro agradeceu ao presidente do TRT-GO por ter confiado nessa parceria institucional com o TST para a realização do evento e por ter permitido que a história se fizesse no Regional Trabalhista goiano. “Que sejamos tocados pela emoção”, finalizou.   Roda de conversa O ministro Cláudio Brandão e o juiz André Machado Cavalcanti, coordenador substituto do Comitê Gestor da Igualdade de Gênero, Raça e Diversidade do TRT-13 (Paraíba), participaram da roda de conversa com as mulheres trans. André Cavalcanti destacou que o momento foi histórico, de reconhecimento da diversidade pela Justiça do Trabalho. “Gostaria de ressaltar a importância dessa visibilidade na esperança de construir uma história que nos orgulhe”, afirmou.  Clarisse Mack foi a primeira mulher travesti a ingressar no curso de direito na Paraíba. Ela, que também é historiadora e lançará em breve um livro sobre transfeminismo jurídico, falou sobre o não lugar, a não existência e o não ser das pessoas travestis e transexuais. Clarisse trouxe a reflexão sobre ser a primeira travesti a cursar Direito em seu estado. “Ao mesmo tempo que é uma conquista, não basta ser a primeira, mas construir caminhos”, ressaltou.  Para a militante trans, é preciso rever a perspectiva da formação das nossas crianças e adolescentes. “A criação é toda heteronormativa”, acrescentou. De acordo com a ativista, a cisgeneridade é um discurso que é construído socialmente. “Nós trans somos consideradas anormais”, disse. Clarisse reforçou que temos que repensar o direito a partir da realidade brasileira. Pelo 14º ano consecutivo, somos o país que mais mata mulheres trans e travestis. “A prostituição é compulsória, como única fonte de renda, e por isso o direito do trabalho precisa ser efetivo, precisamos de programas efetivos e não apenas de atividade jurisdicional”, concluiu.  Leonora Bittencourt, educadora social e ativista na ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, é uma mulher transexual. Ela falou sobre a experiência que teve no TRT do Pará, com o programa empregabilidade e diversidade. “As pessoas esperam sermos um exemplo de estética, mas como a gente vai acessar os espaços, se não temos como sobreviver?”, questionou.   Ludymilla Santiago Carlos, travesti formada em comunicação e assessora parlamentar no Distrito Federal, afirmou que a marginalidade é a primeira porta que se abre e acolhe os corpos das pessoas travestis e transexuais. “As travestis e transexuais estão sendo mortas por simplesmente serem o que são”, disse. Segundo a ativista, o Brasil é o país que mais mata e mais consome pornografia “com nossos corpos”. Para ela, a solução está em integrar as políticas de trabalho, de saúde e de educação. “Transversalizar essas políticas”, assinalou. Ludymilla levanta uma questão que deveria ser resolvida sem maiores discussões, que é o uso do banheiro. “Por que quando falamos de inclusão, começamos a falar de banheiro?”, questiona. “É surreal ter que resolver um problema tão simples como esse”, afirma.  Por fim, Cristiane Beatriz, da Rede Trans, disse da importância de eventos como esse. “Estar aqui nesse espaço de fala para falar de nossas vivências e anseios e especificidades é um avanço e o primeiro aprendizado é de que nós somos seres humanos, cidadãs, não estamos pautando privilégios”, afirmou. Para ela, é preciso romper os ciclos de exclusão e a discriminação. “Temos que ter a certeza de que voltaremos à noite para casa porque ainda estamos discutindo o direito à vida”.  Oficinas A programação do encontro incluiu duas oficinas no período da tarde, no Senai da Vila Canaã, onde também foi apresentado o projeto de empregabilidade Mais Um Sem Dor, do MPT-GO, que foi destaque em uma reportagem veiculada pelo Jornal Hoje, da TV Globo. Durante as oficinas, ministradas por pessoas trans e migrantes, os participantes discutiram os temas “migrantes, raça e violência de gênero” e “sexualidade: identidade de gênero e orientação sexual”.  Encerramento O evento foi encerrado na manhã desta terça-feira (25/6) no auditório Villa Boa, no TRT-GO, com depoimentos de empresas sobre práticas de inclusão no ambiente de trabalho e a entrega do Selo Social Empresa Amiga da Diversidade a 15 empresas goianas.  Participaram do evento ministros e mais de 40 servidores do TST, juízes e servidores do TRT-18, pessoas da comunidade em geral, além de representantes dos comitês do Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade dos 24 regionais trabalhistas. O programa foi instituído em toda a Justiça do Trabalho por meio da Resolução CSJT n.º 368/2023 e os representantes presentes em Goiânia irão se reunir na tarde de 25/6 com o fim de discutir projetos e estratégias nacionais para promoção da temática.  Fonte e fotos: TRT-18