O dia 25 de julho foi instituído a partir do primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, realizado em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. O evento reuniu mais de 300 representantes de 32 países para denunciar opressões e debater soluções na luta contra o racismo e o sexismo. No Brasil, a data homenageia a líder quilombola Tereza de Benguela, símbolo de luta e resistência do povo negro. Ela coordenou, no século XVIII, o Quilombo do Quariterê, localizado na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas. Dupla opressão Três séculos depois, o grito de Tereza ainda precisa ser ouvido. A desigualdade de gênero, aliada ao racismo, coloca as mulheres negras em uma situação de extrema vulnerabilidade. Segundo a antropóloga Maria de Fátima Lima Santos, professora da UFRJ e colaboradora da Casa das Pretas, “as mulheres negras estão atravessadas por uma dupla opressão: não estão nem no âmbito da categoria mulheres (marcada pela hegemonia das mulheres brancas) nem no âmbito da categoria negros (marcada pela hegemonia masculina negra)”. Metade das mulheres negras que trabalham recebe no máximo um salário-mínimo*. A maioria (63%) já foi discriminada em processos seletivos para vagas de emprego**. A taxa de desemprego entre as mulheres negras é maior do que entre as mulheres brancas e os homens brancos (13,9%, 8,9% e 6,1%, respectivamente) ***. *Dados do Dieese, 4º trimestre de 2023 **Pesquisa do movimento Potências Negras Criativas, 2022 *** Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC/IBGE), 2022 Saúde mental As estatísticas apenas comprovam o que é facilmente percebido nas ruas. As mulheres negras são encontradas nas cozinhas dos restaurantes (mas quase nunca as vemos no salão), exercendo funções de domésticas, trabalhando em serviços de limpeza, quase sempre recebendo ordens e raramente em funções de liderança. As que conseguem ascender na carreira são pressionadas a alcançar níveis extremos de produtividade a fim de mostrar competência, explica a psicóloga Ana Eliza Rocetti. “São comuns os quadros de adoecimento mental produzidos a partir desse mesmo contexto social, tendo como exemplos, principalmente, a ansiedade, a depressão e o estresse pós-traumático”, afirma. De acordo com Rocetti, empresas e instituições devem oferecer oportunidades de desenvolvimento pessoal. “Oferecer um ambiente de trabalho seguro para que as mulheres negras possam ser humanizadas com suas inseguranças, dificuldades, potências e habilidades pessoais é uma ferramenta substancial para a promoção de saúde mental das mesmas.” A servidora Valdilene Alves Oliveira Arrivabeni, coordenadora de Gestão Documental e Memória do TRT-17, considera o maior desafio na carreira “ter que provar a minha competência todo o tempo”. Diz que ouviu muitas “piadinhas” relacionadas ao seu cabelo. “Por mais que se tente relevar, são situações que se perpetuam, pois desde criança essas piadinhas perseguem a mim e as pessoas negras em geral”. Iniciativas no TRT-17 Em 2023, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) aderiu ao Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, cujo objetivo é implementar medidas institucionais que promovam a inclusão de grupos historicamente marginalizados e a erradicação do racismo. Para a gestora regional do Pacto, juíza Lucy de Fátima Cruz Lago, “a luta contra o racismo é ancestral. As mulheres negras derrubam preconceitos e lutam cotidianamente pelo direito de viver com plenitude”. O Tribunal também conta com o Subcomitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, Assédio Sexual e Discriminação, e instituiu um subcomitê do Programa de Equidade de Raça, Gênero e Diversidade, coordenado pelo juiz Fábio Eduardo Bonisson Paixão. De acordo com o magistrado, o programa, instituído pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, “vem se revelando um mecanismo muito importante para a luta que se trava, dia a dia, contra as inúmeras discriminações sofridas pela população negra em geral, e principalmente pelas mulheres negras, especialmente aquelas que não tiveram acesso a uma educação formal e a chances de colocação no mercado de trabalho em virtude de racismo estrutural”. É preciso avançar mais! A servidora Marília de Fátima Tiburso da Silva, do Posto Avançado de Alegre, considera ótimas as iniciativas do Tribunal para o combate ao racismo e à discriminação de gênero, mas acha ainda insuficiente o apoio dentro da instituição. Diz que gostaria de ver mais mulheres negras em cargos de chefia. Dalizete Gomes Nascimento Dantas compartilha da mesma opinião: “Para progredir na inclusão e igualdade para as mulheres pretas, o TRT-17 precisa designá-las para ocupar funções de gestão”. A servidora, agora aposentada, serviu ao Regional por 30 anos e nunca ocupou um cargo de gestora, apenas substituindo. Para Valdilene, os três cursos superiores (Engenharia Civil, Administração e Direito) e duas pós-graduações, “realizados sem a utilização das cotas”, além de centenas de horas de cursos extracurriculares, não foram suficientes para o reconhecimento profissional. Com 24 anos de Tribunal, só há dois foi convidada a ocupar um cargo de gestão. “As pessoas julgam a minha competência pelas minhas características físicas. Sendo mulher e negra, a exigência social para que a sua competência seja reconhecida é sempre maior que para os demais.”Atualmente, segundo dados da Secretaria de Gestão de Pessoas, 11,2% dos 143 cargos e funções de natureza gerencial no TRT-17 são ocupados por mulheres autodeclaradas negras. E elas representam 21,86% do total de 325 servidoras do Tribunal. Inspiração para sonhar grande Ex-empregada doméstica, advogada, Marília enfrentou muitos desafios ao persistir na carreira (“ouvi de uma assistente social, branca, que Direito não era para mim”). Fez três especializações: em Direito e Processo do Trabalho, Processo Civil e Direitos Constitucionais Fundamentais. Atualmente faz mestrado em Direito Constitucional e é servidora requisitada no TRT-17 desde 2015. Para jovens mulheres negras em início da carreira, ela tem um conselho: “Sonhe e sonhe grande. Não deixe que preconceitos racistas ou maridos machistas bloqueiem seus sonhos”. E usa a própria história como exemplo: “Meu casamento acabou no dia em que passei na prova da OAB. Meu marido pediu o divórcio, não aceitou minha ascensão profissional. Mas eu não desisti”. Matéria de teor meramente informativo, sendo permitida sua reprodução mediante citação da fonte. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) Coordenadoria de Comunicação Social e Cerimonial (CCOM) – [email protected] Texto: Cristina FagundesArte da capa: Larissa Pinheiro, estagiáriaDemais artes: Francine Costa