O avanço da transformação

Adoção de metodologias inovadoras ganha força entre a advocacia regional

Relatos de experiências de inovação na prática jurídica, em especial nas atividades de exercício da advocacia, ainda causam certa divergência de opiniões entre advogados e advogadas dos municípios que compõe a área de abrangência da 2ª Subseção da OAB/ES. Alguns, como bem sabe a advocacia regional, vislumbram uma necessária e irrefreável mudança, cuja tendência é ganhar ainda mais espaço nos próximos anos. Outros, contudo, como reconhecem profissionais mais experientes, veem com certa resistência a necessidade de inovar em práticas já bem estabelecidas.

Para a advogada Kenia Pacifico de Arruda, tesoureira da 2ª Subseção da OAB/ES, parte do problema pode ser atribuída a ausência do tema nos cursos de formação em direito.

“Acredito que a advocacia enfrenta uma dificuldade geral para reconhecer a necessidade de inovação das práticas. Nos cursos não recebemos nenhum tipo de orientação sobre gestão e muitos advogados têm resistência em aceitar, talvez por entender que isso seria contrário à advocacia, que é uma profissão intelectual. Ainda temos, por exemplo, colegas que têm dificuldade no processo digital”, observa Kenia.

Adepta da corrente que tem se adaptado rapidamente às mudanças, a tesoureira revela que, no dia a dia do seu escritório, tem buscado implementar medidas para automatizar procedimentos por meio de softwares e uso de inteligência artificial (IA).

“Acredito que o emprego de IA pode ser extremamente útil como fonte de pesquisa, fazer petições, procurações, documentos simples, e-mails, dentre outros. Com uso da inteligência artificial para coisas repetitivas e simples, o advogado tem mais tempo de dedicar-se ao cliente, ao processo, à criação de teses”, defende.

A inovação, claro, não se restringe apenas a adoção de novas tecnologias. Não raro, a difusão de novos meios para resolução de conflitos pode ser contemplada também como uma necessária e bem-vinda mudança. Tome-se, como exemplo, o crescente reconhecimento à conciliação e mediação extrajudiciais em áreas da advocacia, em especial a familiarista.

O assunto foi tema de pesquisa recente conduzida pela advogada Samantha Mion Matias dos Santos, conselheira seccional da OAB/ES. Como a própria Samantha lembra, apesar das práticas serem previstas e regulamentadas desde o ano de 2010 pela Resolução n.º 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assim como estarem igualmente previstas na Lei n.º 13.140/2015 e no Código de Processo Civil, “ainda são vistas como inovadoras”, pois, como assinala, “leva tempo para que os profissionais se acostumem com as mudanças”.

“Hoje ainda ao se falar de mediação é sair ‘fora da caixinha’, do modelo tradicional, que é o litigioso. Faz parte da nossa cultura. É ele que estudamos na nossa formação acadêmica. A mediação é pensar além do tempo, é pensar em meios alternativos que não o litigioso e judicial para a solução dos conflitos ou litígios. Em paralelo ao processo tradicional, e por reconhecer as dificuldades desse caminho, a justiça moderna incentiva práticas diferenciadas de solução de conflitos. Ao contrário do processo judicial litigioso, nelas o foco recai sobre a manutenção de um relacionamento de qualidade pós-conflito”, explica a conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Espírito Santo, cuja especialização abrange tanto o contencioso em Direito de Família e Sucessões, quanto a conciliação e mediação.

 A adoção dessas práticas inovadoras, como observa, quase sempre impacta o relacionamento de seus clientes e a resolução de casos de maneira positiva, já que a resolução passa a ser alcançada de forma mais rápida, econômica e com bem menos desgastes emocionais.

“Nas soluções negociadas dos conflitos (acordo) as partes decidem o que querem e não o juiz (terceiro). Existe maior segurança do resultado, menor custo financeiro, maior rapidez no término do processo, implemento mais rápido da obrigação, sentimento de justiça, soluções mutuamente aceitáveis e acordos sustentáveis”, comenta Samantha.

Ela também chama a atenção ao fato de que mesmo com práticas facilitadoras na resolução do conflito, existe resistência por parte de alguns profissionais. Para estes, contudo, uma experiência compartilhada pela advogada pode aclarar o potencial positivo das experiências de inovação na prática jurídica. “Quando comecei a colocar em prática as ferramentas da mediação e conciliação nos casos de família em que fui contratada para atuar, obtive o percentual de 99% dos conflitos resolvidos mediante acordo, o que considero um resultado positivo significativo”, conta Samantha.

Pode não ser, obviamente, um argumento definitivo, que desfaça posicionamentos arraigados. Contribui, contudo, com a necessária reflexão.

Publicado na revista Advocacia, edição nº 09