A presidência da 2ª Subseção da OAB-ES manifestou apreensão na audiência pública organizada pela Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim (CMCI) para discutir o projeto de lei n° 005/2024, de autoria do Poder Executivo Municipal, que autoriza o município de Cachoeiro de Itapemirim a contratar, junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina, uma operação de crédito externo da ordem de U$ 50 milhões, valor hoje equivalente a mais de duzentos e cinquenta milhões de reais. A reunião, aberta ao público e transmitida ao vivo no YouTube pelo legislativo cachoeirense, aconteceu na noite desta quarta-feira, dia 15 de maio. Além do advogado Adílio Domingos dos Santos Neto, presidente da 2ª Subseção, participaram o prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Victor Coelho (PSB), vereadores, outros representantes da advocacia regional, representantes da sociedade civil e lideranças políticas, comunitárias e empresariais.
O Banco de Desenvolvimento da América Latina, também nominado Corporação Andina de Fomento (CAF), é uma instituição internacional multilateral com sede na Venezuela, da qual fazem parte vinte países, dentre outros, Peru, Colômbia, Venezuela, Argentina e Brasil. O empréstimo de 50 milhões de dólares, segundo justificativa apresentada pela Prefeitura Municipal de Cachoeiro de Itapemirim (PMCI), seria “direcionado a projetos estratégicos voltados à promoção do desenvolvimento sustentável, incluindo áreas como infraestrutura, saneamento, mobilidade urbana, preservação ambiental, regularização fundiária e cidades inteligentes”.
Dada a natureza do tema discutido e as potenciais implicações do vultuoso compromisso financeiro para o futuro das contas públicas do município, o presidente Adílio Domingos dos Santos Neto assinalou, em sua fala na audiência, algumas ponderações necessárias. Na manifestação, cuja íntegra pode ser lida ao final da reportagem, ele rememorou, por exemplo, que a OAB, assim que tomou conhecimento do projeto de lei, ainda no mês de fevereiro, expediu ofício aos cuidados da CMCI, com o propósito de obter maiores informações acerca da iniciativa. Do mesmo modo, posteriormente a Ordem também expediu ofício aos cuidados da municipalidade.
Como observou o advogado em sua manifestação, pelos termos da autorização pedida, serão dadas como garantia do adimplemento do empréstimo contraído junto ao CAF receitas de impostos municipais, além daquelas decorrentes do artigo 158 da Constituição Federal, que trata da repartição de receitas tributárias.
Em uma explanação oportuna sobre a preocupação da Ordem dos Advogados do Brasil com as potenciais implicações da operação de crédito externo, o presidente Adílio chamou a atenção a um conjunto de questionamentos apresentados ao Poder Executivo Municipal e à Câmara Municipal por meio dos citados ofícios, cujos conteúdos encontram-se disponibilizados ao leitor para download ao final da reportagem.
Questionou-se, por exemplo, se existe previsão na lei orçamentária anual e no plano plurianual para a operação de crédito anunciada no projeto de lei n° 05/2024, em observância a normatização federal. Outro ponto suscitado foi sobre quais os estudos preliminares de impacto orçamentário e financeiro foram apresentados para a referida operação, indicando a expertise de quem os tenha elaborado e sua adequação à Lei Complementar n° 101, de 04 de maio de 2000.
Também foram expressas outras questões pertinentes, como, por exemplo, “quem” é a controladora da entidade eleita para obtenção de crédito e por que razões esta foi escolhida.
Para além, indagou-se ainda, por meio dos ofícios encaminhados pela 2ª Subseção à CMCI e a PMCI: I) “qual o montante dos recursos pretendidos, a sua destinação específica, o prazo de amortização do empréstimo e os acréscimos legais envolvidos?”; II) “que projetos estão elaborados para execução com os recursos em evidência, considerando tratar-se do último ano da presente gestão municipal?”; e III) “qual a situação das contas públicas do Município de Cachoeiro de Itapemirim?”.
Dentre as dúvidas apresentadas, o ponto mais controverso talvez seja justamente o “porque” uma operação de crédito de tal vulto deveria ser aprovada pelo legislativo cachoeirense, com as possíveis implicações futuras para as contas públicas municipais, mas, sobretudo, no contexto das vésperas de uma eleição municipal e, não menos importante, no momento em que o atual prefeito exerce o seu último mandato.
Lembrando que a Ordem não tenciona criar qualquer tipo de obstáculo na aprovação de projetos de lei e, tampouco, prejudicar a plena atuação da gestão municipal, mas, tão somente cumprir seu papel de atuação nos exatos termos do art. 44, I, da Lei 8.906/94, o presidente Adílio apresentou em sua fala na audiência duas sugestões importantes para nortear o debate público em torno do tema, bem como contribuir com o posicionamento do legislativo municipal na apreciação da matéria.
Falando em nome da 2ª Subseção da OAB-ES, ele recomendou à Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim “escutar algum representante do CAF” e, tão importante quanto, “buscar informações de que outros municípios brasileiros já firmaram contratação com a referida instituição”, perquirindo, em caso positivo, como o contrato se desenvolveu.
Adílio observou ainda que, de parte da OAB, era imprescindível expor a preocupação da tomada de um empréstimo no meio do ano, e do último ano de uma gestão, sobretudo, “porque a execução integral do contrato ficará sob encargo do próximo ou da próxima mandatária municipal”.
Neste sentido, o presidente, em suas considerações finais, sugeriu em nome da Ordem dos Advogados do Brasil que, “viabilizando-se tecnicamente a alteração do projeto de lei, que a autorização para obtenção do crédito fique por conta do próximo ou da próxima gestora, cabendo a nova gestão municipal, em 2025, a decisão acerca da tomada ou não do crédito”.
Leia abaixo a íntegra do discurso proferido na audiência pública desta quarta-feira:
Manifestação do presidente Adílio Domingos dos Santos Neto
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, Vereador Braz Zagoto,
Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, Victor da Silva Coelho
Excelentíssimos Srs. Vereadores,
Ilmos. Procuradores presentes,
Servidores desta Casa,
Membros da sociedade civil,
A 2ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, hoje, em brevíssima síntese, apresenta algumas colocações referentes ao Projeto de Lei nº 05/2024, cujo propósito é a obtenção de autorização para operação de financiamento com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (instituição internacional multilateral, da qual fazem parte Peru, Colômbia, Venezuela, Argentina e Brasil), e pelos termos da autorização pedida, são dados como garantia do adimplemento receitas de impostos municipais além daquelas decorrentes do artigo 158 da Constituição Federal, que trata da repartição de receitas tributárias.
Inicialmente, a Ordem registra que não é sua intenção criar qualquer tipo de obstáculo na aprovação de projetos e plena atuação da gestão municipal, fato este já afirmado na reunião realizada pelo Exmo. Prefeito Municipal e reiterada neste momento, sendo que a atuação da ordem dos advogados ocorre nos exatos termos do art. 44, I, da Lei 8.906/94.
Assim que tomou conhecimento do PL n° 05/2024, ainda no mês de fevereiro, a OAB expediu ofício aos cuidados desta respeitável casa de leis, com o propósito de obter maiores informações acerca do projeto.
Do mesmo modo, posteriormente, a Ordem também expediu ofício aos cuidados da municipalidade, sendo respondida no último dia 22 abril.
Pois bem.
A obtenção de autorização para operação de financiamento, cujo propósito é a tomada de um crédito na ordem de 50 milhões de dólares, algo em torno de 250 milhões de reais, precisa obedecer a uma série de requisitos legais, e buscando essas informações, as indagações feitas pela Ordem dos Advogados do Brasil, consubstanciadas por meio dos ofícios expedidos, foram as seguintes:
- Há previsão na lei orçamentária anual e no plano plurianual para a operação de crédito anunciada no PLO 05/2024, em obediência a Lei Federal 4330 de 17 de março de 1964?
- Quais os estudos preliminares de impacto orçamentário e financeiro foram apresentados para a referida operação, indicando a expertise de quem o tenha elaborado e sua adequação à Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000?
- Quem é a controladora da entidade eleita para obtenção de crédito e por que razões esta foi escolhida, anexando os atos constitutivos e exposição de motivos correlacionados ao questionamento;
- Qual o montante dos recursos pretendidos, a sua destinação específica, o prazo de amortização do empréstimo e os acréscimos legais envolvidos?
- Que projetos estão elaborados para execução com os recursos em evidência, considerando tratar-se de último ano de gestão?
- Qual a situação das contas públicas do Município de Cachoeiro de Itapemirim, esclarecendo: a) última aprovação perante o Tribunal de Contas; b) existência de outras operações de crédito contratadas ou em andamento assumidas pelo Município de Cachoeiro de Itapemirim
Como dito, os ofícios foram enviados, sendo importantíssimo para a OAB, bem como para a sociedade em geral, o acesso ao parecer técnico desta casa, que, sem dúvida, contemplará os questionamentos anteriormente expostos.
Por parte da Prefeitura, o ofício foi respondido com as respectivas considerações e a reposta está disponível ao público, bastando solicitação neste sentido.
É importante ainda ressaltar que a OAB possui total ciência acerca da autonomia do município para adotar as operações que entende cabíveis para a regular administração, sendo este indiscutível postulado de matriz constitucional, previsto no art. 30, da Carta Maior.
De igual modo, é de conhecimento de todos a competência fiscalizatória e autorizativa da Câmara, prevista no art. 31, da Constituição.
Logo, é importante que a Câmara Municipal avalie o PL 05/2024 de modo criterioso e absolutamente técnico, como costumeiramente feito por esta Casa.
Fica, neste momento, uma sugestão que pode agregar ainda mais no debate:
- Escutar algum representante do Banco de Desenvolvimento da América Latina;
- Buscar informações de quais outros municípios brasileiros já firmaram contratação com referida instituição, perquirindo, em caso positivo, como o contrato se desenvolveu.
De parte da OAB, expomos a preocupação da tomada de um empréstimo no meio do ano e do último ano de uma gestão, sobretudo, porque a execução integral do contrato ficará sob encargo do próximo ou próxima mandatária municipal.
Por fim, a OAB sugere, viabilizando-se tecnicamente a alteração do projeto de lei, que a autorização para obtenção do crédito fique por conta do próximo ou próxima gestora, cabendo a nova gestão municipal, em 2025, a decisão acerca da tomada ou não do crédito.
Essas são as considerações.
Leia abaixo os ofícios encaminhados pela 2ª Subseção da OAB-ES e a manifestação da PMCI:
Ofício CMCI PLO n° 05-2024 – Ofício PMCI PLO empréstimo – Manifestação PMCI / OAB