Sabendo usar, é legal

Adoção crescente da inteligência artificial em escritórios exige filtro da ponderação

Nos últimos anos, poucos fenômenos causaram tanta inquietação no segmento jurídico, e em particular na advocacia, como o advento do lançamento do ChatGPT pelo laboratório de pesquisa OpenAI. Não para menos. Desde que a nova tecnologia veio a público, em 30 de novembro de 2022, incontáveis questionamentos foram feitos sobre como esta iria impactar, em curto e médio prazo, um número considerável de profissões. Da relação fazem parte, receiam alguns, as atividades privativas dos inscritos da Ordem.

Trata-se de tema controverso que, admita-se, divide opiniões. Mas, para uma expressiva e crescente parcela de advogados e advogadas da 2ª Subseção da OAB/ES, a inserção da inteligência artificial (IA) na rotina do escritório não somente tornou-se uma prática, como o é, sob o ponto de vista destes, vantajosa e defensável. Para o grupo, mais do que temer a mudança deve-se enxergar o potencial de sua contribuição em compromissos do dia a dia.

“Penso que no Direito o uso da inteligência artificial não tem volta. É algo que será cada vez mais frequente. Mas o critério pessoal, a atividade humana do profissional, do advogado, com o crivo ético e da razão, não pode se perder. Pode-se fazer uso destas ferramentas, contudo sempre sob o domínio de quem as utiliza. Jamais fazer copia e cola”, adverte o presidente da 2ª Subseção da OAB/ES, Adílio Domingos dos Santos Neto.

Entusiasta confesso de novas tecnologias, ele chama atenção ao fato de que o Judiciário brasileiro e a própria Ordem já utilizam inteligência artificial há algum tempo. “A OAB, por exemplo, tem ferramentas de ‘recorte digital’ que empregam a tecnologia. Então não é algo novo, mas o tema ganhou notoriedade com o ChatGPT e outros mais recentes”, comenta.

Presidente Adílio Domingos dos Santos Neto

Defensor da mesma linha de pensamento, o tributarista Hemerson Maia observa que do ponto de vista ético-jurídico há dispositivos legais, como o marco regulatório da internet e a vigência da lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que foram concebidos para regular o assunto. “A inteligência artificial poderá ser utilizada para substituir tarefas rotineiras e de cunho básico, como por exemplo, o direcionamento de atendimentos, agenda, respostas um tanto mais genéricas. Mas nunca o trabalho específico feito pelo advogado, de analisar, interpretar e aplicar a norma ao caso do cliente, respeitando a legislação e o entendimento dos tribunais”, explica.

Cliente da Upgrade Contabilidade, escritório situado em Cachoeiro de Itapemirim que emprega recursos de IA nos serviços oferecidos à advocacia, Hemerson acredita que o uso da tecnologia contribui para aprimorar a relação advogado-cliente. “Melhora, sem dúvida. Hoje, por exemplo, os clientes do escritório recebem relatórios automáticos dos processos e serviços contratados. Isso economiza tempo e fideliza”, destaca.

Dr. Hemerson Maia

A advogada e consultora empresarial Roberta Zóboli é outra profissional que encontrou no uso da inteligência artificial uma solução de excelência, “adequada para conciliar a agenda de trabalho com as necessidades do escritório”. Como ela mesma salientou, “tempo é o ativo mais escasso nos dias de hoje” e, neste sentido, ter acesso às informações em tempo real é um importante diferencial.

“O mundo e todos nós estamos em plena evolução. Não há como retroceder quando o assunto é tecnologia. Por este motivo, a advocacia deverá se adequar a esta realidade, trazendo conhecimento de qualidade em tempo real aos seus clientes. É possível enumerar vários benefícios do uso da tecnologia no trabalho da advocacia, dentre eles a eficiência operacional por meio da automação de tarefas rotineiras, como pesquisa jurídica, revisão de documentos e geração de contratos. É algo que permite que os advogados economizem tempo e recursos”, defende Roberta.

Dra. Roberta Zóboli

Semelhante ao tributarista Hemerson Maia, ela também contratou os serviços da Upgrade Contabilidade. “Busquei um serviço de contabilidade que me forneça informação em tempo real, e ofereça ferramentas tecnológicas avançadas como acesso a documentos importantes na tomada de decisão estratégica do escritório. Sempre que é necessário obter algum documento contábil, ou esclarecer dúvidas, a ferramenta possibilita esse serviço de modo rápido e eficiente”, revela.

Sócios na Upgrade, os empresários e contadores Douglas Chagas Fiorin e Jonathan Januário Ferreira assinalam que dentre os principais benefícios que os escritórios de advocacia têm obtido com a implementação de soluções tecnológicas que incorporam o uso de inteligência artificial, pode-se destacar ganho de produtividade, aumento de receita, confiabilidade dos números e, tão importante quanto, credibilidade junto a clientes e parceiros.

“Assim como nós contadores, os advogados também zelam pelas informações dos clientes, gerando confiança e credibilidade pelas respostas mais precisas e assertivas. A tecnologia veio para auxiliar nas demandas diárias, trazendo ganhos de produtividade e comprometimento com o cliente, gerando números satisfatórios e rentabilidade para as empresas e escritórios”, aponta Douglas.   

Douglas Chagas Fiorin e Jonathan Januário Ferreira: IA para escritórios

A dupla revelou que existem desafios e mesmo resistências na integração da inteligência artificial à rotina dos escritórios. “Muitos ainda não acreditam e preferem o serviço manual, perdendo a oportunidade de crescimento”, observa Jonathan.

Claro que, para parcela significativa dos advogados e advogadas, a adoção ou não de determinada tecnologia no exercício da prática jurídica quase sempre será uma decisão pessoal. No entanto, mesmo para estes o recomendado, como orienta o presidente Adílio é atentar-se ao “filtro do equilíbrio e da sobriedade”. Até porque, como bem lembra, a Lei n° 8.906, em seu artigo 34, já traz previsão normativa sobre a eventual responsabilização ética na hipótese de um advogado flagrado usando uma petição redigida, por exemplo, pelo ChatGPT. “O inciso V veda ao advogado ou advogada assinar documentos que não tenha participado da criação”, afirma Adílio. Fica, portanto, a orientação.

Publicado na revista Advocacia, edição nº 09